[Dra. Lucinéa Wertz e alunas]
Missão:
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou tão feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos -- dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.
Adélia Prado.
Nascemos para levantar bandeiras, como sabiamente nos disse Adélia Prado. O papel da mulher no Direito sempre foi o não papel, sua força produtiva foi desconsiderada por muito tempo.
A nossa luta é histórica, em 1906 conseguimos a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil, Myrthes Gomes de Campos. Ela foi a primeira a lutar pelos direitos femininos, como o exercício da advocacia pela mulher, o voto feminino e a defesa da emancipação jurídica feminina. Foram necessários 8 anos, entre a formatura em direito e conseguir exercer a profissão. Foram necessários mais 55 anos, para empossar a primeira juíza no Brasil, Thereza Grisólia Tang, em 1954. E só no ano 2000, o Brasil nomeou a primeira Ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie.
A mulher advogada tem uma missão muito especial na defesa dos direitos das mulheres, a luta pela efetividade das leis que assegurem a isonomia material entre homens e mulheres. E, pensar em isonomia e justiça social, atualmente, há que se modificar o discurso da igualdade pelo discurso da diferença. É preciso percorrer um longo caminho para que a sociedade se transforme em espaço de igualdade em seu sentido material.
Ignorar esta realidade, é desconsiderar a condição de ser mulher, como detentora de dignidade, uma qualidade inseparável do seu substrato ontológico. E, para alcançar a integralidade desse princípio, não se pode ignorar as diferenças existentes entre homens e mulheres, o que levaria à desconsideração das características inerentes ao feminino, em sua subjetividade e singularidade.
Tivemos uma grande vitória no dia 20 de fevereiro de 2018, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, enfrentando violações de direitos que atingia uma coletividade de mulheres concedeu o primeiro Habeas Corpus Coletivo do Brasil em favor das mulheres presas grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade, adolescentes em situação semelhante do sistema socioeducativo e as que tenham sob custódias pessoas com deficiência. O relator, ministro Ricardo Lewandowski, disse que, “numa sociedade burocratizada, a lesão pode assumir caráter coletivo e, neste caso, o justo consiste em disponibilizar um remédio efetivo e funcional para a proteção da coletividade”.
Essa conquista só foi possível porque o coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), impetrou o Habeas Corpus em defesa dos direitos peculiares a condição feminina. E, dos cinco advogados do coletivo quatro são mulheres que gravaram o nome na história brasileira da luta pelos direitos de todas as mulheres: Eloisa Machado de Almeida, Hilem Estefânia Cosme de Oliveira, Nathália Fragoso e Silva Ferro e Bruna Soares Angotti Batista de Andrade.
Os motivos para se indignar não são claros, nem possuem uma visão maniqueísta, a complexidade é uma característica da contemporaneidade, mas redes colaborativas também. Entender o emaranhado é a única forma de não reproduzimos discursos que fragilizam a condição de ser mulher.
Para modificar o discurso da igualdade formal pelo discurso da diferença é imprescindível a participação feminina em todos os espaços de atuação do Direito. A nossa jornada jurídica está intrínseca a essa luta, não apenas como uma categoria, mas em especial como missão social que nos responsabiliza como transformadoras da realidade.
Fonte: Jusbrasil
Dra. Samara Nery de Oliveira Almeida