quinta-feira, 2 de novembro de 2017

BARRIGA DE ALUGUEL: Gestação em útero alheio

Você já deve ter ouvido falar sobre “barriga de aluguel”, não é mesmo? São aquelas situações nas quais a mulher, por algum motivo médico, não possui condições de gerar o filho em seu útero e a gestação, por conta disso, será exercida por outra pessoa. A gestação em útero alheio também pode acontecer em outros casos, mas os mais comuns são as hipóteses como a mencionada acima.

Em que pese se diga barriga “de aluguel”, vamos ver neste artigo que, no Brasil, o recebimento de valores para gestar é proibido! Tal proibição está entre um dos demais requisitos para que o procedimento aconteça, sobre os quais trataremos em seguida.
Importante dizer, primeiramente, que a gestação em útero alheio não está prevista na legislação civil brasileira, mas é regulamentada por Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.
Há duas modalidades: uma é aquela em que a mulher é tida somente como “portadora”, já que apenas cede o útero para a gestação e a outra em que é considerada “mãe de substituição” por oferecer, além do útero, seus óvulos.
O procedimento pode ser indicado quando a mulher possui: idade avançada, pobre resposta ovariana, má qualidade dos óvulos, sucessivas falhas em tentativas de inseminação artificial, endometriose avançada e abortos de repetição com causa desconhecida.
Existem, contudo, exigências para que se possa efetivar a gestação em útero alheio. Os requisitos mais relevantes para que ela aconteça são os seguintes:
a) a mãe gestacional deve pertencer à mesma família dos interessados em realizar a gestação;
b) o empréstimo do útero deverá ter caráter gratuito e
c) a técnica somente poderá ser aplicada nos casos em que a mulher efetivamente não puder ficar grávida por razões médicas 2.
O ideal, portanto, é que a gestação em útero alheio seja realizada somente em casos mais extremos, nos quais se demonstrou efetivamente que a gravidez seria prejudicial à saúde da mulher.
Caso seja realizada a doação de óvulos – além da cessão de útero – ela também não poderá envolver fins lucrativos (similarmente ao que acontece nas situações em que se busca o banco de sêmen, embora não exista, ainda, banco de óvulos no Brasil).
Em relação ao reconhecimento dos filhos, sabe-se que o mais comum seria a presunção de que mãe é aquela que pariu o filho. Porém, nas situações de gestação em útero alheio, há necessidade de se avaliar com mais cuidado:
Tradicionalmente, ou segundo as leis vigentes, a verdadeira mãe é aquela que dá a luz à criança, ou a que pariu. […] Tal concepção, no entanto, não pode ser acolhida. Nos tempos atuais, não revela um caráter de verdade sólida, diante do fato da fecundação artificial. E nesta forma de procriar a vida, partiu-se para um fundamento da paternidade ou maternidade diferente da tradicional. A paternidade ou maternidade passou a fundar-se em nova explicação: o ato preciso da vontade”3.
Conclui-se, então, que a vontade das partes, nesses casos, externada pela concordância com o procedimento fecundante, seria fator decisivo para se determinar a relação de filiação.
É imprescindível, portanto, a concordância dos envolvidos para a regularidade do ato, a fim de que as partes comprometam-se com a situação, e até mesmo para a proteção da criança que nascerá, evitando-se, com isso, que os envolvidos venham, futuramente, a repelir a filiação instituída.
Assim, “se surgir algum conflito entre a mãe gestante e aqueles que contrataram com ela, o caso deverá ser resolvido em função de suas particularidades e do superior interesse da criança”4, não importando somente a realidade biológica, mas os outros vínculos advindos, primeiramente, do desejo dos pais de terem o filho em sua companhia.
Caso seja, por um equívoco, declarada a maternidade da mãe gestacional no registro da criança, devem ser tomadas as medidas cabíveis no sentido de resguardar os pais que manifestaram a vontade de ser genitores e procuraram a realização do procedimento. Dessa maneira, será resguardado, além do interesse dos genitores, também o direito do filho de ser criado pelos pais que efetivamente o desejaram e esperaram.
Tem-se, assim, que a presunção da maternidade perdeu seu caráter absoluto de outrora. Para a eventual averiguação da filiação, deverão ser analisados outros quesitos além do laço consanguíneo, pois não se estabelece vínculo de filiação com a mãe gestacional ou com eventual doador de sêmen, vez que não houve a intenção de paternidade e maternidade.
O elo de filiação deve ser dimensionado de acordo com os aspectos biológicos, mas também em conformidade com a sua extensão social.
Conforme já se tratou em diversos artigos do canal, a família contemporânea é “orientada pelo princípio da solidariedade em função da afetividade e laços emocionais conjuntos”5 e, por isso, o paradigma que a define atualmente parece ser muito mais afetivo do que meramente biológico.
Sobre a socioafetividade, sugere-se a leitura do seguinte artigo: “’Pai ou mãe é quem cria!’: Descubra como o Direito entende isso” (clique aqui).
Conclui-se, então, que, embora algumas pessoas acreditem que um contrato de gestação em útero alheio não terá efeitos, se ele for elaborado dentro dos parâmetros recomendados, há uma relação jurídica que deverá ser protegida.
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1 Resolução CFM 2.013/2013. VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva.
2 Resolução CFM 2.013/2013. VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva. 1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade limite de até 50 anos. 2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
4 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
5GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias Reconstituídas. São Paulo: RT, 2010.

Artigo publicado originalmente do DIREITO FAMILIAR.

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