quinta-feira, 22 de março de 2018

MEDIDAS PROTETIVAS: Lei Maria da Penha

A violência contra a mulher, em suas mais variadas formas, tornou-se uma constante em nossas vidas, tornando o seu combate a nossa luta diária.
Em razão disso, a Lei 11.340/06 traz em seu bojo diversos mecanismos de proteção à mulher em situação de violência, constituindo violação dos direitos humanos a violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 6º).
Segundo art. 5º, incisos I a III da supracitada lei, configura-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto.
No que concerne às formas de violência, a Lei Maria da Penha elenca cinco tipos, não excluindo a possibilidade de outras: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Com o advento da Lei 13.505/2017, passou a ser direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial, preferencialmente por servidores do sexo feminino.
Assim, dispõe o art. 10-A da Lei 11.340/06:
Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores – preferencialmente do sexo feminino – previamente capacitados.
§ 1º. A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, obedecerá as seguintes diretrizes:
I – salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar;
II – garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;
III – não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada.
Vê-se, portanto, que houve uma significativa mudança no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a fim de garantir efetivamente a integridade e a dignidade da mulher em situação de risco.
Deste modo, após o comparecimento da vítima à Delegacia de Polícia, cabe ao magistrado, no prazo de 48 horas, tomar as seguintes providências:
a) conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
b) determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
c) comunicar ao Ministério Público, para que adote as providências cabíveis.
Vale ressaltar que as medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência prévia e manifestação do Ministério Público, podendo o seu descumprimento pelo agressor acarretar em sua prisão preventiva.
Nesse sentido, é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA. No caso em comento, a decisão impugnada apresenta fundamento concreto, explicitado na reiteração delitiva do paciente, que não obstante a advertência judicial, descumpriu as medidas protetivas impostas, em total desrespeito a ordem judicial. Além disso, aparentemente, teria posto fogo na residência da vítima. Pelo que consta do boletim de ocorrência e das fotos digitalizadas, o imóvel foi consumido pelo fogo. Nesse contexto, a manutenção da custódia do acusado, por ora, mostra-se realmente necessária, especialmente para garantir a integridade física e psíquica da vítima, assim como para acautelar a ordem pública, fazendo cessar a reiteração criminosa. Precedente. Outrossim, é fundamental conferir eficácia ao princípio da confiança do juiz da causa no que toca à fundamentação relativa à necessidade e à adequação da prisão preventiva, pois é quem está mais próximo dos fatos em apreciação e conhece as suas peculiaridades. De outro turno, não há falar em desproporcionalidade da medida cautelar face à eventual quantidade de pena a ser aplicada em caso de condenação, uma vez que a pena máxima cominada aos delitos que fora denunciado, ultrapassa o prazo que se encontra segregado. Ademais, a prisão preventiva não se confunde com antecipação de pena, tratando de medida cautelar com fins específicos. Precedente. Este órgão fracionário possui entendimento firme no sentido de que a presença de condições pessoais favoráveis, como primariedade, domicílio certo e emprego lícito, por si só, não impedem a decretação da prisão preventiva, notadamente se há nos autos elementos suficientes para justificar a cautelar, nem atenta esta contra o princípio constitucional da presunção de inocência. Precedente. A prisão do paciente é recente, já tendo sido recebida a denúncia e designada data para a audiência, oportunidade em que o juízo processante poderá reavaliar a necessidade, ou não, da manutenção da prisão. Dessa forma, presentes todos os requisitos autorizadores da medida, nos termos dos artigos 312 e 313 do CPP, a manutenção da custódia cautelar se faz necessária, não sendo caso de adoção de providência cautelar diversa da prisão (artigo 319 do CPP). ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70076667203, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Julgado em 08/03/2018)
Por conseguinte, as medidas protetivas que poderão ser aplicadas em face do agressor dispostas na legislação são as seguintes:
a) suspensão da posse ou restrição do porte de armas com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei 10.826/03;
b) afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
c) proibição de determinadas condutas, entre as quais:
c.1) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
c.2) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c.3) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
d) restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
e) prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Cabe destacar que tais medidas podem ser impostas em conjunto ou separadamente, e outras medidas não previstas na lei também poderão ser aplicadas para assegurar a segurança da vítima.
Feitas tais considerações, podemos concluir que tal legislação veio para amparar e salvaguardar os direitos das mulheres. Quaisquer alterações posteriores visam, única e exclusivamente, a proteção e o respeito à dignidade da mulher, em situação de vulnerabilidade.

DIREITO A ESTABILIDADE EM GESTAÇÃO:

Que ocorre durante aviso prévio,

mesmo quando indenizado:




O aviso prévio, está previsto no artigo 487 da CLT e na lei 12.506/11, e segundo CASSAR (2017, p.1024) “ é uma comunicação de que o notificante pretende romper o contrato ao final do pré aviso, e não de que já está rompendo”, ou seja, é apenas um comunicação prévia do prazo final do contrato de trabalho, que realmente só se extingue ao final do aviso, ainda nas palavras de Martins (2015, p.602) “ aviso prévio é a comunicação que uma parte do contrato de trabalho deve fazer à outra de que pretende rescindir o referido pacto sem justa causa, de acordo com o prazo previsto em lei, sob pena de indenização substitutiva”.
O aviso prévio não é o momento da extinção do contrato de trabalho, é apenas a comunicação que essa extinção vai ocorrer em momento posterior, após o prazo previsto em lei, e sobre esse prazo, o artigo  da Lei 12.506/11 trouxe uma nova configuração a esse prazo, que anteriormente era de 30 dias, com a mudança legislativa se acresce 3 dias de aviso por ano de serviço prestado na mesma empresa, até no máximo 60 dias, que cumulado com os 30 primeiros dias chegam a 90 dias de aviso.
Quando a empresa ou o empregado notifica ao outro do encerramento do contrato de trabalho ao final do prazo, se define se esse período será trabalhado ou indenizado, e é sobre o aviso indenizado pelo empregador que vamos tratar aqui.
O empregador pode optar por deixar o trabalhador cumprir o período de aviso em casa, remunerando esse período, o § 6º do artigo 477 da CLT que trata do prazo para pagamento da rescisão define que o empregador tem 10 dias, após o termino do contrato de trabalho para que realize a quitação da rescisão e entrega dos documentos, não mais diferenciando a aviso prévio trabalhado do indenizado, ambos serão pagos ao termino do contrato, e no caso do aviso indenizado o término do contrato é o que seria o ultimo dia de trabalho, que ele cumpriu em casa, pois o término do contrato se efetiva nesse momento, nas palavras de Martins (2015, p.620) “Importa considerar o tempo de serviço para todos os efeitos do contrato de trabalho”.
Diante disso, e empregada que recebe aviso prévio, mesmo que indenizado tem direito a estabilidade gestante?
Basta uma rápida lida no artigo 391 A para esclarecer a dúvida, lembrando que não houve modificação do artigo com a reforma trabalhista.
Art. 391-A. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (Incluído pela Lei nº 12.812, de 2013).
É garantida a estabilidade gestante à empregada que fica grávida durante o aviso prévio, assim a gestante passa a ter direito a ser reintegrada na empresa, em consonância com a súmula 244 II do TST, essa reintegração só não ocorre se o julgador perceber animosidades entre a empregada e o empregador, substituindo assim a reintegração por valor pecuniário. (CASSAR 2017, p.1133), sendo assim em regra a empregada deve retornar ao trabalho, e isso ocorre mesmo que a gravidez ocorre no decurso do aviso indenizado, ainda nas palavras de Cassar (2017) seria interessante que os empregadores firmassem junto ao aviso prévio um documento onde fica declarada a nulidade do aviso em caso de gravidez, devendo essa retornar ao trabalho sob pena de abandono.
Então, mesmo cumprindo o aviso em casa, a empregada ainda no período de validade do contrato de trabalho, tem direito a estabilidade caso venha nesse período ocorrer a gravidez, pois o final do contrato de trabalho somente se dá ao final do prazo legal, seja ele indenizado ou não, mas existe a preferencia na reintegração no trabalho, ao invés da indenização, devendo essa ocorrer somente em casos que o julgador entender impossível a reintegração, que também é bastante corriqueiro.
Segue algumas jurisprudências sobre o assunto, afim de firmar ainda mais nosso entendimento:
GARANTIA DE EMPREGO E INDENIZAÇÃO RELATIVA AO PERÍODO DE ESTABILIDADE GESTANTE. CIÊNCIA DO ESTADO GRAVÍDICO PELO EMPREGADOR. GRAVIDEZ NO CURSO DO AVISO PRÉVIO. O direito à estabilidade provisória é reconhecido à empregada gestante, mesmo que o estado gravídico seja desconhecido do empregador, consoante se depreende da Súmula nº 244, I, do TST. O art. 391 da CLT assegura, ainda, a estabilidade provisória gestante, mesmo que a gravidez advenha no curso do aviso prévio trabalhado ou indenizado, na medida em que este integra o contrato para todos os fins (art. 487§ 1º, da CLT e OJ nº 82 do TST). Demais disso, a indenização substitutiva, quando inviável a reintegração no emprego, compreenderá o período de estabilidade gestante previsto no art. 10, II, b, do ADCT. Recurso da ré conhecido e improvido no particular.
(TRT-1 - RO: 01014409520165010302 RJ, Relator: SAYONARA GRILLO COUTINHO LEONARDO DA SILVA, Sétima Turma, Data de Publicação: 19/06/2017)
GESTANTE - ESTABILIDADE - AVISO PRÉVIO. - O objetivo da estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, é a tutela do nascituro, assegurando-se à empregada grávida segurança emocional e financeira durante a gestação e nos primeiros meses de vida do recém-nascido. Incontroversa a estabilidade da qual a Reclamante era detentora e inviável a reintegração, não se pode subtrair da empregada parcelas que lhe seriam devidas, caso não tivesse sido dispensada durante o período da garantia provisória, devendo ser considerado também o período do aviso prévio indenizado.
(TRT-3 - RO: 00117473820165030143 0011747-38.2016.5.03.0143, Relator: Emilia Facchini, Terceira Turma)
RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA GESTANTE. RECUSA À PROPOSTA DE RETORNO AO EMPREGO. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA DEVIDA. 1. O Tribunal de origem consignou que "É incontroverso que a autora foi admitida pela reclamada em 07/06/2013, para a função de Vendedora (Id d2abd78 - Pág. 1), sendo despedida sem justa causa em 03/11/2014 (TRCT, Id 262df6a), recebendo aviso-prévio indenizado (Id 9cfa5a6 - Pág. 1). Também é incontroverso que a reclamante engravidou durante o período contratual, pois a ecografia obstétrica de 09/12/2014 (Id 3a3ba68) indica que, nesta data, o tempo gestacional correspondia a 13 semanas e 03 dias. A reclamada comprova que, em 24/01/2015, cientificou extrajudicialmente a reclamante para que comparecesse na empresa a fim de"averiguar se a concepção ocorreu no período do contrato de trabalho ou então na projeção no aviso prévio". Registrou, ainda, que"a reclamante teve a oportunidade de retornar ao trabalho em outra filial da empresa, oferta que também não foi aceita por ela. Ressalto, ainda, que não há evidências nos autos de que o tratamento psiquiátrico realizado pela autora a incapacite para o trabalho". Assim, concluiu que"a sentença não merece reforma. A recusa da empregada em aceitar o retorno ao emprego, colocado à sua disposição em janeiro de 2015 e, novamente, na audiência inicial, em março de 2015, implica renúncia à estabilidade". 2. A norma inserida na alínea b do inciso II do art. 10 do ADCT da Constituição da República confere à empregada gestante a garantia ao emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, adotando como pressuposto da garantia de emprego da gestante apenas a existência da gravidez no curso de contrato de trabalho, sendo irrelevante eventual desconhecimento da gravidez pelo empregador na data da despedida, ou mesmo pela empregada. Nesse sentido são os precedentes reiterados desta Corte e a diretriz inscrita na Súmula 244, I e III, do TST. 3. Ressalte-se que, ocorrida a concepção ao tempo em que ainda vigente o vínculo de emprego - hipótese dos autos -, é irrelevante a circunstância de a empregada haver recusado a oferta de reintegração no emprego, mantendo-se resguardado o direito à indenização substitutiva da estabilidade provisória. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.
(TST - RR: 210031320145040251, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 06/12/2017, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/12/2017).
Assim, percebe-se que é indiscutível o direito da gestante a estabilidade quando a gestação ocorre durante o aviso prévio, mesmo indenizado, e cabe preferencialmente a reintegração da funcionária à empresa, caso seja possível, e em caso de impossibilidade a indenização pelo tempo estabilidade, até 5 meses após o parto.
[Fonte: Jusbrasil - Adriana C. Paula Gonçalves]

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

CASAMENTO: quais os deveres?


O artigo 1.566 do Código Civil de 2002 prescreve os deveres básicos que ambos os cônjuges devem observar, quando da regular constância do casamento. Vejamos:


1. Fidelidade recíproca: a fidelidade deve ser:
a) Amorosa
Entende-se que para configurar a infidelidade amorosa, além da traição deve haver relacionamento carnal. A mera troca de mensagens virtuais não teria o condão de caracterizar a infidelidade amorosa.
b) Financeira
A configuração da infidelidade financeira reclama a existência de dolo consistente em esconder o patrimônio, de modo a não revelar sua real situação financeira. Bem como em ariscar patrimônio ou praticar gastos compulsoriamente sem a anuência do cônjuge.
c) Pessoal
Já a infidelidade pessoal atrela-se ao dever de o cônjuge faltar com o dever de comunicação relativos à aspectos pessoais que atingem a família, como a perda do emprego ou diagnóstico de doença grave.
2. Vida em comum, no domicílio conjugal:
Tal dever, hodiernamente, é relativizado, uma vez que pode ser mitigado em caso de necessidade de trabalho em lugares distantes ou tratamentos em outro estado ou até mesmo País. Logo, para ensejar efeitos jurídicos de quebra deste dever, deve haver o abandono familiar, cuja consequência é o abandono material e afetivo.
3. Mútua assistência:
A mútua assistência reflete tanto aspectos pessoais quanto patrimoniais, de modo que um cônjuge deve apoiar o outro em sua rotina e problemas, bem como responsabilizar-se solidariamente com as despesas familiares ou com a economia doméstica.
4. Sustento, guarda e educação dos filhos:
a) Sustento: tem caráter alimentar, devendo arcar com as despesas necessárias a uma boa qualidade de vida da criança.
b) Guarda: tange o dever de proteção que os pais têm para com os filhos, como o cuidado de checagem do que o filho faz na internet (guarda virtual) e de horários em que o filho chega à casa.
c) Educação: devem os pais prezar pela presença do filho na escola, bem como pela verificação do rendimento escolar. Atrela-se ainda questões como vestimenta, comportamento e educação alimentar.
5. Respeito e consideração mútuos:
Consiste em um dever relacionado à necessidade de um tratamento de forma respeitosa e afetiva. Quando se quebra tal dever, tem-se a infidelidade. Deve tratar o outro de maneira digna.



[Jusbrasil]

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

BARRIGA DE ALUGUEL: Gestação em útero alheio

Você já deve ter ouvido falar sobre “barriga de aluguel”, não é mesmo? São aquelas situações nas quais a mulher, por algum motivo médico, não possui condições de gerar o filho em seu útero e a gestação, por conta disso, será exercida por outra pessoa. A gestação em útero alheio também pode acontecer em outros casos, mas os mais comuns são as hipóteses como a mencionada acima.

Em que pese se diga barriga “de aluguel”, vamos ver neste artigo que, no Brasil, o recebimento de valores para gestar é proibido! Tal proibição está entre um dos demais requisitos para que o procedimento aconteça, sobre os quais trataremos em seguida.
Importante dizer, primeiramente, que a gestação em útero alheio não está prevista na legislação civil brasileira, mas é regulamentada por Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.
Há duas modalidades: uma é aquela em que a mulher é tida somente como “portadora”, já que apenas cede o útero para a gestação e a outra em que é considerada “mãe de substituição” por oferecer, além do útero, seus óvulos.
O procedimento pode ser indicado quando a mulher possui: idade avançada, pobre resposta ovariana, má qualidade dos óvulos, sucessivas falhas em tentativas de inseminação artificial, endometriose avançada e abortos de repetição com causa desconhecida.
Existem, contudo, exigências para que se possa efetivar a gestação em útero alheio. Os requisitos mais relevantes para que ela aconteça são os seguintes:
a) a mãe gestacional deve pertencer à mesma família dos interessados em realizar a gestação;
b) o empréstimo do útero deverá ter caráter gratuito e
c) a técnica somente poderá ser aplicada nos casos em que a mulher efetivamente não puder ficar grávida por razões médicas 2.
O ideal, portanto, é que a gestação em útero alheio seja realizada somente em casos mais extremos, nos quais se demonstrou efetivamente que a gravidez seria prejudicial à saúde da mulher.
Caso seja realizada a doação de óvulos – além da cessão de útero – ela também não poderá envolver fins lucrativos (similarmente ao que acontece nas situações em que se busca o banco de sêmen, embora não exista, ainda, banco de óvulos no Brasil).
Em relação ao reconhecimento dos filhos, sabe-se que o mais comum seria a presunção de que mãe é aquela que pariu o filho. Porém, nas situações de gestação em útero alheio, há necessidade de se avaliar com mais cuidado:
Tradicionalmente, ou segundo as leis vigentes, a verdadeira mãe é aquela que dá a luz à criança, ou a que pariu. […] Tal concepção, no entanto, não pode ser acolhida. Nos tempos atuais, não revela um caráter de verdade sólida, diante do fato da fecundação artificial. E nesta forma de procriar a vida, partiu-se para um fundamento da paternidade ou maternidade diferente da tradicional. A paternidade ou maternidade passou a fundar-se em nova explicação: o ato preciso da vontade”3.
Conclui-se, então, que a vontade das partes, nesses casos, externada pela concordância com o procedimento fecundante, seria fator decisivo para se determinar a relação de filiação.
É imprescindível, portanto, a concordância dos envolvidos para a regularidade do ato, a fim de que as partes comprometam-se com a situação, e até mesmo para a proteção da criança que nascerá, evitando-se, com isso, que os envolvidos venham, futuramente, a repelir a filiação instituída.
Assim, “se surgir algum conflito entre a mãe gestante e aqueles que contrataram com ela, o caso deverá ser resolvido em função de suas particularidades e do superior interesse da criança”4, não importando somente a realidade biológica, mas os outros vínculos advindos, primeiramente, do desejo dos pais de terem o filho em sua companhia.
Caso seja, por um equívoco, declarada a maternidade da mãe gestacional no registro da criança, devem ser tomadas as medidas cabíveis no sentido de resguardar os pais que manifestaram a vontade de ser genitores e procuraram a realização do procedimento. Dessa maneira, será resguardado, além do interesse dos genitores, também o direito do filho de ser criado pelos pais que efetivamente o desejaram e esperaram.
Tem-se, assim, que a presunção da maternidade perdeu seu caráter absoluto de outrora. Para a eventual averiguação da filiação, deverão ser analisados outros quesitos além do laço consanguíneo, pois não se estabelece vínculo de filiação com a mãe gestacional ou com eventual doador de sêmen, vez que não houve a intenção de paternidade e maternidade.
O elo de filiação deve ser dimensionado de acordo com os aspectos biológicos, mas também em conformidade com a sua extensão social.
Conforme já se tratou em diversos artigos do canal, a família contemporânea é “orientada pelo princípio da solidariedade em função da afetividade e laços emocionais conjuntos”5 e, por isso, o paradigma que a define atualmente parece ser muito mais afetivo do que meramente biológico.
Sobre a socioafetividade, sugere-se a leitura do seguinte artigo: “’Pai ou mãe é quem cria!’: Descubra como o Direito entende isso” (clique aqui).
Conclui-se, então, que, embora algumas pessoas acreditem que um contrato de gestação em útero alheio não terá efeitos, se ele for elaborado dentro dos parâmetros recomendados, há uma relação jurídica que deverá ser protegida.
___________________________
1 Resolução CFM 2.013/2013. VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva.
2 Resolução CFM 2.013/2013. VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva. 1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade limite de até 50 anos. 2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
4 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
5GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias Reconstituídas. São Paulo: RT, 2010.

Artigo publicado originalmente do DIREITO FAMILIAR.

LEI MARIA DA PENHA: Avanços

Por anos, a mulher esteve a margem da sociedade, exercendo de modo secundário suas atribuições nos lares, restando-lhe apenas a submissão à figura masculina. Contudo, ela foi à luta, posicionou-se na sociedade, adentrou o mercado de trabalho e mostrou que tem capacidade de liderança ao mesmo tempo em que cuida da família.

Apesar da evolução histórica, a violência em face da mulher é cada dia mais comum. Clamando por socorro e justiça, para que o agressor não fique impune, é que surge a Lei 11.340/06, popularmente conhecida por Lei Maria da Penha, que ganha esta denominação em homenagem à mulher que por vinte anos lutou contra a violência doméstica – em que a vítima era ela -, Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, cujo marido tentou assassiná-la por duas vezes.
Entretanto, mesmo diante dos avanços sociais, muitas mulheres ainda sofrem caladas, pelos mais variados motivos: dependência financeira, medo do agressor, vergonha perante a sociedade ou até mesmo aos filhos, ou ainda, simplesmente por desconhecer seus direitos e a eficácia da Lei que a protege.
Cabe aqui esclarecer que, a violência doméstica pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, e não abrange apenas as relações amorosas, mas estende-se a todas as agressões no âmbito da unidade doméstica ou familiar, mesmo entre primos, irmãos, pais, ou qualquer relação íntima de afeto, que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente ainda de orientação sexual.
Verificada a hipótese de iminência ou da prática de violência doméstica e familiar, a vítima deve ligar de imediato para o telefone 180, que atende em todo Brasil ou para a delegacia mais próxima, momento em que a autoridade policial tomará as providências cabíveis de imediato, dentre elas: garantir a proteção policial se necessário, ouvir a ofendida, lavrando o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada, remetendo-se o expediente ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência, podendo a medida ser suspensão de porte de arma do agressor, afastamento do mesmo do lar, distanciamento da vítima, ou ainda, culminando na prisão.
Importante ainda mencionar que, após o juiz conceder a medida protetiva a ofendida, o agressor será intimado por oficial de justiça acerca do tipo de medida imposta, e caso venha a descumprir, lhe será decretada a prisão, esta que também poderá ser ocorrer no trâmite do processo, caso o juiz entenda necessário.
Destarte, podemos afirmar sem sombra de dúvidas que a lei Maria da Penha – apesar de tardia, constitui um grande avanço na legislação nacional, no combate de um fator que acomete grande parte da população, não distinguindo classe social, impondo verdadeira correção àqueles que são causadores de tais atrocidades.
Fonte: Jusbrasil

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

IDOSO: CULTURA DE VALORIZAÇÃO EM ESCOLAS

Respeito aos idosos poderá integrar grade curricular de escolas brasileiras:

A população idosa brasileira tem crescido exponencialmente. Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2060, o Brasil terá mais de 58 milhões de pessoas na terceira idade. 

Desta feita, a fim de colaborar para a criação de uma cultura de valorização do idoso, o senador Omar Aziz (PSD-AM) elaborou o Projeto de Lei do Senado 501/2015, o qual sugere a inserção do tema ‘envelhecimento’ e do cuidado e respeito para com os mais velhos na grade curricular da educação básica. O texto prevê a modificação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), ao determinar que especialistas em gerontologia ministrem a matéria nas instituições de ensino.
Otto Alencar, relator que deu parecer favorável à aprovação da proposta, ressalta que o grande número de idosos é uma realidade no Brasil, o que demanda ajustes, inclusive na educação: “A escola é muito mais que o ambiente de transmissão do conhecimento científico e técnico. O aspecto de formação cultural, de preparo para o exercício da cidadania, é também uma de suas funções principais e o currículo deve expressar isso, em conformidade com as exigências sociais”.
Presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Tânia da Silva Pereira afirma que, como um fenômeno mundial, a longevidade do ser humano também prevalece entre nós, “na medida em que a predominância de crianças e jovens já se faz acompanhar de uma presença maciça de pessoas idosas”, o que exige, de acordo com ela, novas prioridades.
Importante salientar que, atualmente, o Brasil tem cerca de 25 milhões de pessoas acima dos 60 anos de idade, segundo levantamento publicado pelo IBGE, no ano passado. Perante o desafio de cuidar desta parcela da população com o devido respeito e dignidade, Tânia sugere a realização de projetos informativos, de proximidade, “que levem à população o conhecimento dos direitos garantidos aos mais velhos”. “Além disso, é preciso que se retire o estigma de que os idosos são seres ultrapassados ou incapacitados, ampliando sua participação ativa em diversas atividades e o estímulo de suas habilidades”, afirma.
A jurista entende que a inclusão do envelhecimento, cuidado e respeito ao idoso no currículo da educação básica é extremamente oportuna justamente pela necessidade de se buscar, cada vez mais e em nível nacional, a integração intergeracional. Ela esclarece: “Socializar o envelhecimento é um processo de permanente aprendizagem, pelo qual a sociedade deve absorvê-lo como um processo complexo, que envolve uma mudança de comportamento e, principalmente, de pensamento e de reflexão”.
Inclusive, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo , prevê - como fundamentos - a cidadania e a dignidade da pessoa humana, determinando - como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil - a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de discriminação. Tânia observa que, seguindo este preceito, o artigo 226 da CF/88 conferiu à família proteção especial do Estado, determinando, ainda, em seu § 8º, que este deve assegurar assistência a cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
“Este dever de proteção é estendido aos membros da família e à sociedade como um todo, quanto ao amparo das pessoas idosas, devendo ser assegurada a participação comunitária dos idosos (art. 230CF/88)”, salienta. Ainda de acordo com ela, essas garantias perpassam pelo reconhecimento da importância dos idosos para toda a sociedade e da necessidade de ampará-los nos diversos setores, devendo-se adotar iniciativas de efetiva inclusão.
“Vive-se o desafio de implementar habilidades para que as pessoas assumam, responsavelmente, as diferentes etapas de suas vidas. Os idosos estão presentes nos diversos momentos da vida e têm uma experiência de vida a relatar. O resgate de sua história lhes permite não esquecer as lembranças, os compromissos do cotidiano, suas tarefas. Nas palavras de Odson Costa Ferreira: ‘Caso contrário elas seriam membros de uma sociedade sem passado, sem memória e sem compromissos, uma sociedade de pura competição que pode facilmente se autodestruir’”, considera.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações da Agência Senado).


sexta-feira, 11 de agosto de 2017

CASAMENTOS INFANTIS:

Bahia tem 5,5 mil meninas com menos de 15 anos vivendo em uniões conjugais

Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança define o casamento infantil como uma união em que uma das partes tem menos de 18 anos. Esse tipo de casamento é reconhecido como uma violação aos direitos humanos.


Aos 14 anos, uma adolescente está aprendendo a lidar com equações de segundo grau; talvez com a fórmula de Bhaskara. Aos 15 anos, outras estão sonhando com uma festa de debutante – ou, em alguns casos, com uma excursão à Disney. Não foi assim com Maira, nem com Fernanda. A primeira, aos 14, tinha que equilibrar as contas da casa, cuidar de um bebê e de um marido. Já a outra, aos 15, esquecia parte dos seus sonhos para viver os de outra pessoa.

Por aí, há muitas Mairas e Fernandas. São meninas que deixaram a adolescência para trás por um casamento infantil. Isso mesmo: tecnicamente, elas não são mais crianças, mas toda união que envolve pelo menos uma pessoa com menos de 18 anos é considerada pela comunidade internacional como um ‘casamento infantil’. A definição, que veio da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CRC) - assinada e ratificada pelo Brasil em 1990 -, significa mais do que um marco de idade: esse tipo de casamento é reconhecido internacionalmente como uma violação aos direitos humanos.
Mas não são meninas que estão longe, vivendo em comunidades exóticas da Ásia ou sob o manto de religiões controladoras no Oriente Médio. Elas estão logo ali: Maira cresceu em Periperi, bairro do Subúrbio Ferroviário de Salvador; Fernanda vive em Vitória da Conquista, no Centro-Sul do estado. Na Bahia, 10 casamentos de menores de 15 anos foram oficializados em 2015, de acordo com as estatísticas de registro civil.
Por outro lado, o número de uniões que não vão para o papel – chamadas ‘consensuais’ – ajuda a ter uma ideia do tamanho do problema: de acordo com o IBGE, só em Salvador, 409 meninas com idades entre 10 e 14 anos viviam em uniões conjugais. Os meninos eram 138, no último Censo. No estado, eram 7,2 mil – sendo 5,5 mil meninas.
O Brasil é o quarto país no mundo, em números absolutos, de mulheres casadas ou vivendo com companheiros aos 15 anos – são mais de 877 mil, de acordo com o estudo Ela Vai no Meu Barco: Casamento na Infância e Adolescência no Brasil, produzido entre 2013 e 2015 pela ONG Instituto Promundo. Em uma pesquisa divulgada no mês passado pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, a entidade aponta que é preciso pensar em formas para enfrentar essa realidade no país – embora nem sempre ela seja abordada nas discussões sobre proteção a crianças e adolescentes brasileiros.
Criar expectativas
Maira Aparecida já tem 26 anos. Aos 14, engravidou e entrou numa dessas ‘uniões consensuais’. Começou a morar junto com o namorado de três meses, que, na época, tinha 19 anos. Foi a mãe dela quem decidiu que os dois tinham que viver juntos – pelo bem da criança.
Maira engravidou aos 14 anos. Além de ganhar um filho, ganhou um marido. A união durou quatro anos (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)
“Ela disse que a gente tinha que assumir. A gente foi morar junto e ela achou que, por ele (o namorado) ser mais velho, ele teria a responsabilidade de cuidar de mim. Mas, se eu tivesse a maturidade que tenho hoje, eu não teria ido. Você cria expectativas, faz planejamento e tem que dividir conta”, analisa.
O casamento acabou depois de quatro anos. Hoje, Maira divide as responsabilidades sobre o filho com a mãe, que deve até pedir a guarda da criança, atualmente com 11 anos. “Já coloquei o pai dele na Justiça uma vez e ele deu (pensão) enquanto estava empregado, depois parou. Eu tenho um problema de diabetes e minha tem medo de eu ter alguma coisa e não poder cuidar de meu filho. Por isso, ela pediu a guarda dele, para que ele tenha alguns benefícios, como plano de saúde”, explica.
Atualmente desempregada, Maira já trabalhou como auxiliar administrativa. Ela conseguiu concluir os estudos fundamentais em tempo – até o Ensino Médio, mas nunca conseguiu fazer um curso superior. “Não me arrependo de ter tido meu filho, mas me arrependo de ter morado junto. Não consegui me formar apesar de minha mãe me ajudar bastante com meu filho. Eu perdi muita coisa”, conta.
Antes presa, depois prisioneira
Hoje, Fernanda, que prefere não divulgar o sobrenome, tem 38 anos. O casamento, firmado aos 15 anos, continua – entre altos e baixos, segundo ela. Mas, diferente de Maira, Fernanda não casou porque estava grávida. A primeira dos dois filhos só veio sete anos após o enlace. Casou por insistência da mãe que, ao ver que a filha estava começando a namorar, ficou com medo de que algo acontecesse fora de um casamento.
“Minha mãe foi criada com muitas regras e trouxe isso para nossa criação. Ela era muito rígida”, lembra Fernanda, que cresceu em um bairro periférico de Vitória da Conquista. Na época, a mãe dela achava que ninguém na vizinhança servia para ser amigo dos filhos. Assim, a adolescente Fernanda foi criada sem liberdade. O portão da casa vivia trancado.
Mesmo assim, o namoro escondido começou aos 13 anos. Logo, foi descoberto e proibido. “Ela colocava meus irmãos para me seguir, me batia muito. Ela achava que, se eu namorasse, por ser imatura, eu engravidaria logo. E vieram muitos atritos, mas ela viu que (o namoro) era irredutível. Ela não ia conseguir mudar. Então, ela propôs o meu casamento. Não fui eu. Ela decidiu que a gente ia casar”.
Foi assim que Fernanda e o então namorado, que, na época, tinha 21 anos, se casaram. Apesar de ter exigido a união, a mãe sequer compareceu à cerimônia civil. Para completar, dias após o casamento, ela teve que lidar com uma transferência do marido – que trabalhava em um posto de gasolina – e uma mudança para Aracaju (SE). Hoje, já voltou à cidade natal, mas o percurso não foi fácil.
“Morei 18 anos de aluguel. Terminei meus estudos do 2º grau (Ensino Médio) em 2010 e comecei uma faculdade de Farmácia em 2013. Adiei muitos sonhos porque meu marido não me deixava fazer faculdade. Ele é bem machista; dizia que mulher casada que fazia faculdade virava vagabunda. Era uma cabeça bem retrógrada. Até para ter amizades, ele não queria”, conta.
“Na realidade, achei que estava me livrando da minha mãe, que nos fazia viver como prisioneiros, e acabei caindo na mão de um marido que fazia a mesma coisa”
Entre tudo que abdicou para casar, o que mais a entristece é lembrar que deixou a própria independência para trás. “Na realidade, achei que estava me livrando da minha mãe, que era uma ditadora e que nos fazia viver como prisioneiros, e acabei caindo na mão de um marido que fazia comigo a mesma coisa. Ele que ditava e eu deixei isso acontecer porque era imatura, achava que mulher tinha que obedecer marido”.
Hoje, as coisas são diferentes, mas Fernanda ainda não tem independência financeira. Precisou deixar o curso de Farmácia por problemas financeiros, mas, no início de 2017, começou a cursar Serviço Social. Há 15 dias, fez vestibular para Direito – seu maior sonho. “Sempre sonhei alto. Quero fazer concurso para ser delegada, juíza, algo assim”. O marido, nos últimos anos, se tornou um de seus maiores apoiadores.
Violência de gênero
De acordo com a coordenadora geral de pesquisa do Instituto Promundo, Danielle Araújo, um casamento infantil também é uma violência de gênero – especialmente porque as meninas são as maiores vítimas. “Há a perda de liberdade dessa menina que assume uma responsabilidade de adulto, mesmo sendo uma criança, e acaba cerceando sua liberdade. Outra consequência grave é a evasão escolar. A gente ouviu que os companheiros estimulam que elas saiam da escola, para controlar melhor essa menina”.
As recém-casadas, mal saídas da infância, ficam, assim, à mercê das demandas dos companheiros – em sua maioria, homens mais velhos. “Na maioria das vezes, o homem é o provedor principal, se não o único. Elas têm uma dificuldade de negociar com eles que vai desde o que comprar na cesta básica em casa até o uso de camisinha”.
Para a coordenadora do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para a Bahia, Sergipe e Minas Gerais, Helena Oliveira Silva, o perfil dos casamentos infantis no Brasil é diferente de outros lugares do mundo. “No Brasil, é muito mais uma característica da vulnerabilidade das meninas no contexto de desigualdade de gênero. Aqui, você tem um homem que á acionado quando a menina engravida. Outras características se colocam em forçar um casamento ou uma união que não seja casamento com véu e grinalda para controlar as meninas ou a sexualidade delas”.
A resposta, segundo Helena, deveria ser um esforço por políticas e programas de empoderamento das meninas e mulheres, com locais e canais para que elas possam afirmar suas identidades.
O que diz a lei
Pela lei brasileira, o casamento é permitido tranquilamente entre pessoas com mais do que 18 anos. Abaixo disso, só em condições especiais. No Código Civil, o casamento é permitido dos 16 aos 18 anos incompletos com autorização dos pais. Abaixo disso, a lei diz que a menina pode casar se estiver grávida.
O problema é que, segundo o Código Penal, qualquer relação com uma pessoa menor do que 14 anos se configura como estupro de vulnerável. Pelo artigo 217, até essa idade, mesmo que a criança ou o adolescente dê seu consentimento, se trata de um estupro.
“A gente entende que a lei brasileira é contraditória. Tem uma coisa no Código Civil e outra coisa no Código Penal”
“A gente entende que a lei brasileira é contraditória. Tem uma coisa no Código Civil e outra coisa no Código Penal. E em casos de estupro de vulnerável, se o homem diz que vai se casar com a menina, ele não é visto como tal (como autor do crime)”, explica a coordenadora geral de pesquisa do Instituto Promundo, Danielle Araújo.
Mas, diante disso, o juiz Walter Ribeiro, da 1ª Vara da Infância e da Juventude, ressalta que as leis podem mudar. “A sociedade precisa entender que as leis precisam atender ao anseio da sociedade. Há 30 anos, se um pai registrasse um filho fora do casamento, seria crime. Hoje, não é mais. Querendo ou não, a própria dinâmica da vida da sociedade fará com que as leis mudem”.
Ele reforça que a lei não deve estar pronta para ser aplicada ao cidadão, mas para entender as posturas e as culturas da sociedade. “O juiz percebe essas nuances e o melhor interesse daquela questão, por isso, aplica a lei mesmo que ela seja contraditória. O juiz pode buscar subsídio em decisões de tribunais superiores, doutrinas, pesquisadores e até da própria vida”.
Fonte: correio